A morte do Chorão caiu dura e seca em mim como
caem as mortes jovens. A morte nunca nos
cai bem. Mas, em alguns casos, ela
espeta com mais força e a gente sangra por dentro. Sangrei por dentro com a
morte do Chorão pelo que ele simbolizou em vida, sim. Mais ainda, pelo que ele simbolizou em morte.
Chorão nos ensinou
em morte que as dores da alma matam. Não
adianta fugir, elas correm atrás, perseguem sua presa. ¨Quando a casa cai, não dá para fraquejar. Quem é guerreiro tá ligado, quem é guerreiro
é assim¨. Mas alguns guerreiros acham
que a luta é contra a dor. E é aí que perdem a batalha.
A dor
maltrata. Mas não é nossa inimiga. Dor é sintoma, é alerta. Tem que ser escutada. Dor é luz de óleo de carro quando
acende. Não é contra a luz que se tem
que lutar. Precisa escutar a mensagem
que ela traz. Ou você toma providência
ou bate o motor. Quando a dor foi maior
do que ele conseguia suportar, na ilusão de buscar a fuga, Chorão caiu na boca
do predador. Foi engolido pela própria
dor.
Todos temos nossas
dores. Na minha opinião, elas se dividem
em grandes e pequenas. Grandes, sempre
as nossas. Pequenas, as dos outros.
Nossas dores são
sempre as piores, porque são as que nos tocam, nos cortam, nos ferem. As dos outros podemos imaginar – e dar muitos
palpites. Porque nos outros tudo sempre
parece de muito mais fácil solução.
Dor é cano
estourado, é insuportável, é urgência.
Tem que resolver, estancar. Isso
é só o que se pensa na hora do desespero.
Todos já passamos por isso. Cada
um estanca como pode, nem sempre da melhor forma, apenas da forma possível. Sobreviver já é lucro.
Não cabe aqui
nenhum juízo de valor, nenhum julgamento.
Cada um conserta seu cano como pode no momento. Só que, se eu tampo com chiclete, com toalha,
num remendo mal ajeitado, tenho que saber que vai vazar e agravar muito o meu
problema mais à frente.
Porque a dor é
como a água, procura seu curso. Ou a
gente para, enxerga ,tenta resolver e dar passagem para que ela nos conte a que
veio, ou ela infiltra e se esgueira por outras direções.
Há pessoas que
sentem pelo corpo: têm enxaquecas, dores
de barriga, de estomago, de coluna, pedras nos rins. É a dor buscando seu curso. A dor busca expressão. É a forma que ela tem para mostrar que
precisa ser cuidada. O sintoma é um
pedido de socorro sempre.
Uns dormem para
esquecer. Outros não dormem, porque não
conseguem esquecer. Noites e noites em claro.
Há os que falam
sem parar, e os que se calam completamente.
Os que fumam muito, bebem muito ou mergulham de cabeça numa panela de
brigadeiro e os que param de comer. Tem
os que se drogam com remédios ou drogas não oficiais. Em todos eles podemos ler o pedido de socorro
estampado no olhar. Em todos eles o
grito mudo da dor. A vida lhes dói,
corta a carne por dentro e eles não sabem remendar esse cano para resolver e
estancar de vez. Nos olham perdidos,
molhados de dor no meio da inundação.
Aflitos, muitas
vezes tentamos ajudar. Aí entra a
questão da solidão. Vida é solidão,
sim. Não quero dizer com isso que seja
ruim, triste nem solitário. Mas, como
disse o próprio Chorão, ¨nascemos sozinhos e morremos sozinhos¨.
Nesse meio tempo,
as decisões também são só nossas, por mais que tenhamos família, amigos,
parceiros, ¨uma palavra amiga , uma notícia boa¨. Por mais que larguemos ou deleguemos, a
decisão sempre será nossa. Na hora de ir
ou ficar, na hora de começar ou separar, na hora do vamos ver, a decisão é só
nossa. Ninguém no seu lugar. Isso é que é solitário.
Sempre tive horror
de hospitais e cirurgias. No meu
primeiro parto, escutava o barulho da maca no corredor vindo me buscar. Pagaria todo o meu ouro, que nem é tanto
assim, para quem quisesse trocar comigo.
Poucas vezes na vida me vi tão só.
Era eu, não servia mais ninguém. Isso é a solidão. O quarto estava cheio. Fez diferença? Nenhuma.
A barriga da vez era a minha, ninguém podia ir no meu lugar. Então eu fui, com medo e tudo. Porque quando
a vida não dá saída, a saída é ir.
Essa sensação de
que não-tem-jeito-tem-que-ir é levemente aterrorizante. ¨Mas também quero te mostrar que existe um
lado bom nessa história¨. A coragem de
se lançar, mesmo com medo – e nem é pouco – deixa um gosto de vitória que
compensa, ao final. Se fingirmos não ver nossas dores, nossas questões mais
doídas, largamos de mão e não tomamos posição, essa já é uma posição. Pesado, ruim?
Não penso assim.
É complicado no
início tomar posse da sua vida, segurar no volante e definir a direção. ¨Mas o tempo é rei, a vida é uma lição. E um dia a gente cresce, conhece a essência,
ganha a experiência e aprende o que é raiz, então cria a consciência¨.
Um leme bem
manuseado impede que o barco fique à deriva, ou bata em tudo e acabe por
naufragar. Assumir o lema da própria
vida é difícil. À primeira vista, parece
que não vamos conseguir. Mas “para quem
tem pensamento forte, impossível é só questão de opinião. E disso os loucos sabem.
Somos solitários
desde sempre. Mas, a loucura de quem
aposta na vida e tenta buscar socorro às vezes é única sanidade possível. Saímos vitoriosos quando aprendemos a lidar
com a dor. E ¨quanto mais a gente rala,
mais a gente cresce¨.
A morte do Chorão,
um rapaz novo, talentoso ¨com habilidade de fazer histórias tristes virarem
melodia¨, que cantava esperança para todos nós, caiu como uma bigorna daquelas
de história em quadrinhos, que deixa o personagem achatado e sem forma por um
tempo. Ainda me sinto achatada e grudada
no chão.
Chorão somos todos
nós, com nossas dores e nossa solidão.
Com ¨nossas histórias, dias de luta e dias de glória¨. Chorão, te devemos mais essa. Que sua morte caia em nós como um grito de
guerra pela vida. Vamos continuar tentando
¨viver e cantar não importa qual seja o dia.
Vamos viver, vadiar, o que importa é nossa alegria¨.
Chorão, ¨você
deixou saudade¨.
Mônica El Bayeh - Rose Porciuncula
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on domingo, março 10, 2013
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de euzinha pra vcs,
lendo e aprendendo
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Que lindas palavras!Ameiiii...
Bj