Qual seu sonho?  

Posted by: Rose Porciuncula in


O filho artista

Estabilidade é bom, mas vale lembrar que profissão é para o resto da vida

Nasci no Méier, em família classe média. Meu pai — o mais velho de seis irmãos — vendia linha telefônica para pagar a faculdade de Engenharia. Minha mãe fez Biologia por exigência dos pais e, como sempre odiou a profissão, vendia roupas para estudar Direito, seu sonho. Aos doze, contei aos meus pais que queria ser escritor. Eles encararam a novidade com humor, sem dar muita importância. Eu era o menino prodígio, filho único e bom aluno; sem dúvida, seria um grande médico ou advogado — que importava se eu escrevesse meus textinhos também?

Fui ficando mais velho, e a vontade de ser escritor continuava lá. Começava a perder a graça: de prodígio, virei problema. Você está falando mesmo sério? Viver de arte no Brasil? Quem vive de arte no Brasil é porque nasceu rico, tem contatos. Escritor faz o quê? Só escreve, o dia todo na cama, de pijama? No Brasil, ser artista é atestado de vagabundo.

Em “Longe da Árvore”, Andrew Solomon escreve que “não existe isso que chamam de reprodução. Quando duas pessoas decidem ter um bebê, elas se envolvem em um ato de ‘produção’, e o uso generalizado da palavra ‘reprodução’ para essa atividade, com a implicação de que duas pessoas estão quase se trançando juntas, é na melhor das hipóteses um eufemismo para confortar os futuros pais antes que se metam em algo que não podem controlar”.

A sensação era exatamente essa. Meus pais me enxergavam feito um ser extraterrestre. Cultura lá em casa sempre foi algo secundário, mas muita gente na família incentivava sem perceber. Cici, minha tia-avó, me presenteava com livros de suspense; Antônio Menezes, meu avô, apaixonado por jornais, recortava para mim as matérias mais interessantes da semana (uma espécie de clipping que incluía crônicas e notícias polêmicas); meu padrinho propunha enigmas matemáticos quando eu chegava na casa dele; meu pai me encarava num acalentador misto de confusão e respeito: não entendia nada do que eu sonhava, mas se era bom para mim, era bom para ele. Por fim, havia minha mãe, sempre muito voraz contra os sonhos de artista, convicta de que teria filho juiz ou procurador. Como se sabe, nada mais motivador do que uma mãe do contra para que você tenha certeza de que está no caminho certo — se não por confiança, ao menos por birra.

Com razão, os pais costumam se preocupar com o futuro financeiro do filho. Há também aqueles jovens que precisam ganhar dinheiro desde cedo para sustentar os estudos ou as necessidades básicas da família. Mesmo com tantas dificuldades, insisto que cada um deve ter — ao menos para si — a clareza de seus desejos e projetos, independentemente de salário ou de status.

Uma das primeiras perguntas que faço quando conheço alguém é “qual seu sonho?. As respostas são variadas, mas me espanta a quantidade de gente cujo sonho é “ser rico”. Logo a seguir, pergunto: “Rico pra quê?”. Daí, as respostas são diversas: viajar, ter um carro, uma casa... Muitos dizem que querem dinheiro porque “ter dinheiro é legal”. Não que eu não goste de dinheiro — adoro viajar, pagar as contas com tranquilidade, comer bem, ajudar os outros. Mas não entendo mesmo quem faz do dinheiro a ultima ratio de suas vidas. Sempre segui uma lógica simples: fazer o que gosto, sem pensar na grana. Trabalhando bem, com boa vontade e alguma sorte, o dinheiro e o reconhecimento acabam vindo.

Não estou aqui demonizando a advocacia, a medicina ou a engenharia — tem muita gente que nasce com vocação e gosto para a coisa. Não era o meu caso. Até hoje meus pais estranham quando passo o dia assistindo a filmes e digo que estou trabalhando. Ou quando saio às três da tarde para dar uma volta na praia e refrescar as ideias. Tenho uma amiga inteligentíssima, a Amanda Regina, que fazia Direito comigo. Poderia ser juíza, defensora, mas queria mesmo era ser professora do Ensino Médio. Formou-se em Direito, passou em um concurso do BNDES e logo se matriculou em Letras na PUC. Agora, rala dando aulas em cursinhos e para alunos particulares, mas está sorrindo de orelha a orelha toda vez que a encontro.


Estabilidade é importante, sem dúvida. Um bom salário também. Mas não custa lembrar que sua profissão é aquilo que você vai fazer durante muitas horas pelo resto da sua vida. Aos pais, um conselho: eduquem seus filhos; o mundo é cruel e caro, há muitas contas a pagar, etc etc — mas não deixem de apoiar seus projetos; artísticos ou não. Aos filhos, uma provocação: se quiser, pinte, atue, escreva, dance. Seja médico, arquiteto, artista plástico. Faça mágica, malabarismo, jogue futebol, toque zabumba e xequerê. Advogue, vá lá. Purpurine-se. Tenha menos e faça mais o que te der na telha. Não garanto que sua conta bancária ficará cheia, mas ao menos a vida vai ser mais gostosa.

Texto de Raphael Montes

This entry was posted on quarta-feira, abril 08, 2015 and is filed under . You can leave a response and follow any responses to this entry through the Assinar: Postar comentários (Atom) .

0 comentários

Postar um comentário